Hospital do Rim de Guanambi

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domingo, 18 de setembro de 2011

Sobre O Viver


Hoje sei bem quem sou. Pelo menos agora tenho certeza.
Certeza essa que não existia há um ano, mais ou menos.

Há mais de um ano recebi a notícia de que meus rins pararam de funcionar. Não entendi direito o que aquele senhor de jaleco branco e olhos que teimavam em não fixar os meus queriam realmente dizer.
Como assim meus rins pararam?
Sim, respondeu friamente esse senhor. Acompanhado de termos técnicos que mal podia compreender, parecendo estar sendo expresso em outra língua... eu só pude entender suas últimas palavras: você vai ter que fazer hemodiálise três vezes posr semana com duração de quatro horas; se não fizer, você poderá morrer e sua única saída será um transplante.
Pronto, ai encerrou a conversa; menos minhas dúvidas, que foram aumentando cada vez mais.
Nunca ouvira falar em hemodiálise, e já fui de imediato conduzido para uma sala de cirurgia e me colocaram umas mangueiras chamadas de cateter. Fui levado conduzido para um salão que haviam pessoas conectadas a máquinas por várias mangueiras vermelhas, repletas de sangue; um barulho de bip que me incomodava, tive medo; meu coração disparou. Tive vontade de gritar, sair correndo ou ao menos acordar desse pesadelo.
Sentei-me ao lado da máquina que, de modo bastante esquisito, começaram a me conectar e meu sangue começou a sair do meu corpo em direção daquele equipamento do outro mundo. Não queria acreditar naquilo tudo. Tudo era muito novo para mim
A enfermeira disse-me para ficar bem quietinho durante essas quatro horas, e que iria passar rápido o tempo.
Ah! Como passou rápido, passou toda a minha vida nessas quatro horas. Como pode Eu, tão novo, cheio de vida estar sendo submetido a esse tipo de tratamento tão horrendo para mim.
Não poderia crer que a minha vida acabara, e que logo eu iria morrer. Morrer sem ao menos experimentar o que a vida tinha de oferecer. Eu com os meus 23 anos de idade apenas, não iria mais fazer o que as pessoas da minha idade faziam. Eu não mais poderia ter um relacionamento sério com uma pessoa por que a iminência de morte me acompanharia. Como poderia viver com tantas restrições alimentares, dietas; pode e não pode; medicamentos nas horas certas, mal estar... Parecia estar vivendo um pesadelo. Um sentimento de que talvez a morte fosse melhor para mim inundava a minha mente.
Uma das coisas que mais me angustiava era o fato de ter que ficar preso naquela máquina por quatro horas, três vezes por semana. Era uma prisão terrível! O que fazer? Meu Deus, o que fiz de tão errado, foi minhas orações de muitas semanas desde aquele dia.
Sentindo extremamente cansado, exausto e sem vontade alguma de viver, essa foi, minha rotina emocional imposta por mim mesmo; comparecia obrigado às sessões, não queria fazer aquele tratamento... para que? Achava que a morte seria melhor solução.
Assim foram passando os dias, as semanas os meses... Havia se passado seis meses e minha expressão era de total desalento. A vida Perdera todo encanto para mim. Meus amigos me abandonaram, minha namorada me deixou; briguei com meu irmão, minha mãe vive chorando, meu pai não conversa mais comigo!
Não me restava mais nada!
Até que certo dia, esperando o carro que transporta os pacientes que fazem tratamento - outra grande dificuldade que tinha era a de ter que depender da boa vontade de instituições públicas para me levar para um tratamento, isso era muita humilhação; além do mais, detestava o motorista!
Neste dia, o carro teve problemas mecânicos e iria demorar por algumas horas para vir me buscar. Tempo suficiente para que minha vida mudasse por completo naquela tarde ensolarada do mês de setembro.
Caminhando pela rua, sem rumo, nem vontade; resolvi sentar no banco de uma praça.
Descansando o corpo frágil, fiquei a olhar as pessoas que transitavam nas calçadas quando um pequeno papel no chão me chamou a atenção. Era um pedaço de papel encardido, dobrado várias vezes e preso entre duas raízes de uma árvore.
Era um papel escrito à mão por alguém que inadvertidamente poderia ter perdido de seus pertences. Parecia uma carta.
Como ainda restara em mim um pouco de curiosidade, resquícios daquele jovem cheio de vida de outrora, Comecei a desdobrar e ler o que estava escrito, era mais ou menos assim:
"Neste dia o sol brilhou de forma diferente dos outros, hoje as nuvens não mais taparam toda a sua beleza e magnitude.
Hoje por incrível que pareça não tive medo.
Minhas angústias e meus medos diminuíram de intensidade.
Sinto que algo mudou em mim, não sei o que; mas hoje estou pensando diferente.
Essa carta não era para ser assim, era para ser uma carta de despedida.
Ontem eu havia decidido não mais viver, mas agora sinto algo em mim impulsionando para outro caminho. Minhas mãos trêmulas parecem escrever sozinhas essas palavras: tenha olhos diferentes para uma vida que deseja.
Estou seguindo a minha intuição. Passei anos lamentando minha vida e agora estou decidindo fazer o contrário. Desejo ser diferente, não sei como, mas sinto que posso.
Não será mais uma carta de despedida; agora é uma carta de renascimento.
Hoje desejo ver o mundo com outros olhos e ver o que acontece! Somente hoje! A cada dia!
E não entregarei essa carta a ninguém, deixarei cair em algum lugar, pois são palavras de vida. E quero distribuir de agora em diante vida. Quem vier ler essas palavras sentirá o desejo de experimentar o que estou querendo dizer, e melhor, o que estou sentindo.
Tudo passa, a tempestade passa dando lugar ao sol e à brisa; a noite escura passa dando lugar para o amanhecer; toda lágrima derramada logo se seca ao tocar a face; a dor passa dando lugar para um simples sorriso. “Hoje eu decidi viver.”

A carta não possuía nome, não estava endereçada a ninguém, mas parecia ser para mim. Resolvi levar essa carta comigo, e por várias vezes li e reli essas mesmas letras que tanto me chamaram a atenção.
Algo sempre acontecia de diferente quando lia aquela carta. Sentia um desejo imenso de sentir a vida novamente do mesmo modo de quem escreveu.
Comecei a me esforçar a viver. Sim, havia de ter um modo de também sentir como o autor daquelas palavras relatava.
Passei a descobrir a importância do olhar para a vida. Comecei a aprender a ver VIDA em tudo o que me chegava. Aproximei de minha mãe e perguntei: Mãe, a senhora acha que vale a pena eu estar vivo?
Ela começando a encher os olhos de lágrimas prontamente me respondeu: meu filho, você é para mim uma manifestação de vida!
Meu Deus! Foi um espanto para mim! Eu, que adotei o papel de desdito da vida sou agora pontuado como a sua manifestação! Como pode? Eu não estava percebendo isso!
Comecei a pensar que algo haveria de modificar tudo em minha volta se eu começasse a perceber VIDA em tudo o que existisse.
Adentrei no salão e lá enxerguei pele primeira vez um aglomerado de seres viventes; vi o quanto estava sendo maravilhoso ver a vida pulsando externamente por entre as linhas que conduziam sangue em direção à máquina.
Que maravilha o homem ter criado algo para salvar o próprio homem!
Estranhei-me por um instante, nunca havia sequer falado algo de positivo para aquelas máquinas e agora estou agradecendo a Deus por ter permitido inteligência ao homem para tê-la criado! Nem religioso eu era e me peguei falando em Deus?! E foram diversas vezes!
O bem estar que me invadia era tão intenso que não poderia deixar de aproveitar tal sentimento; e queria mais.
E as observações foram se ampliando para toda a equipe, para o hospital e até para o motorista que fazia de tudo para se manter firme na função que lhe era imposta!
Era um milagre! Estava me tornando outra pessoa! Retomei meus contatos com os amigos e percebi que eu é que havia me afastado deles por medo de não ser aceito; retomei o meu relacionamento com minha namorada e ela me havia dito que eu que não queria mais um relacionamento sério.
Meu irmão e meu pai, Deus! Eu havia me afastado deles com medo de deixá-los a qualquer  momento, pois achava constantemente que morreria logo! Que bobagem essa minha, agora percebo, quem está livre de morrer!

Abracei minha mãe e lhe agradeci as forças dispensadas a mim.
Foram meses de transformações, e hoje estou aqui, reproduzindo o que passei. Relendo a carta que me modificou, pois fez com que eu percebesse que, mais doente que os meus rins, estava completamente adoecida a minha alma! 


Roberto Harrysson Braga Tolentino - Texto baseado em uma história real.                                           Montes Claros, 18 de setembro de 2011.                                                  

Um comentário:

  1. Pedemos fazer escolhas. Escolher o melhor caminho não é seguir estrada mais fácil, e sim percorrer trajetos que nos melhoram como pessoas e nos fazem mais humanos do que já somos.

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